27 outubro 2015

Infância, empoderamento e abuso!


Nos últimos dias um assunto extremamente importante finalmente ganhou voz nas redes brasileiras: A cultura do estupro e o abuso infantil. 

Quando vi a história da menina Valentina do MasterChef Junior, fiquei enojada, mas infelizmente não fiquei surpresa. Meus olhos brilharam e meu estômago embrulhou mesmo quando a hashtag #PrimeiroAssédio apareceu em minha timeline. É controverso assim mesmo o sentimento. :)

Lembrei não só dos assédios que sofri, como de um dia muito simbólico quando uma amiga compartilhou o abuso sofrido na infância por um tio, que não contente em assediá-la dos 8 aos 10 anos, continuou com suas irmãs mais novas conforme ia perdendo o interesse nas que cresciam.

Ao ouvir essa história e ver em seus olhos o pedido de socorro entalado na garganta anos a fio, compartilhei as minhas histórias e pasmem, éramos 5 mulheres à mesa. Éramos 5 mulheres que tinham sofrido abuso na infância. Ouvi outras histórias ali mesmo e descobri que dali eu fui a única que não sofri isso na família.

Entende a gravidade dessa situação? 100% das mulheres à mesa haviam sido abusadas. A maioria de fato estupradas antes dos 12 anos. Nenhuma tinha jamais falado com ninguém sobre isso. Todas tinham tido sua vida afetiva afetadas em maior ou menor grau pelos abusos, óbvio.



Depois disso minha visão mudou, clareou, entendi que na verdade, eu era a regra, não a exceção.

Procurei outras amigas, soltei o assunto de leve, compartilhei a minha história e ouvi muitas outras. Muitas! 

De fato, no mínimo 80% das mulheres que eu conheço têm histórias de abuso na infância ou adolescência pra contar - fora as que continuam sendo abusadas quando adultas! E eu ainda acho que os 20% que sobram talvez só não tenham falado sobre isso ainda.

Mexida com todas essas lembranças, contei a minha história de #PrimeiroAssédio lá no facebook:



E recebi esse lindo comentário:




Então resolvi contar como eu penso e faço aqui em casa e me traz basicamente 3 ganhos:

1. Auto-proteção;
2. Acolhimento;
3. Autonomia!

Como isso?

Bem, eu basicamente ensino à minha filha desde os seus 4 anos que:

ABSOLUTAMENTE NINGUÉM PODE TOCÁ-LA SE ELA NÃO QUISER! 

NEM EU!

Sim, eu ensino à Ju que ela PODE e DEVE dizer NÃO pra um abraço, beijo ou qualquer toque, até puxar pelo braço, pegar na mão dela, deixar um adulto dar banho, se ela não quiser.

Isso até causa algumas situações desconfortáveis com adultos pouco acostumados a serem frustrados, tipo aquelas tias que querem ser abraçadas sempre, independente da vontade da criança, sabe? 

A esses o meu sincero sinto muito, arrumem um psicólogo, achem outra forma de suprir suas carências.

E você pode me perguntar... Mas porque ensina-la tão cedo?

Bom, eu acho que a pergunta certa é: "Mas porque respeita-la tão cedo?"


E aí a resposta fica mais óbvia, né?

Vamos lá, quantas de vocês não deixaram de relatar um abuso porque não acreditariam em vocês? Porque a sua relação familiar dizia claramente que você era criança e por isso tinha que aceitar sem questionar, caladinha, o que o adulto X, o primo mais velho, alguém que não você, te dizia pra fazer?

Entende o absurdo?

E eu não faço diferente porque acho que toda pessoa no mundo é uma ameaça. Pode parecer que eu sou distraída, mas a verdade é que eu escolho ver o copo meio cheio, eu confio nas pessoas e, apesar de tudo, eu acredito que relações saudáveis podem e devem ser estabelecidas ao longo da vida e me recuso a viver em paranoia.

E a única forma deu me achar capaz de transformar a nossa realidade, apesar de todos os males do mundo, é mostrar desde muito cedo à minha filha que o corpo dela é só dela, ninguém pode invadí-lo de forma alguma, jamais!  Essa é a maneira que encontrei de ensiná-la a viver com plenitude, com o empoderamento necessário para construir relações saudáveis em todas as esferas da vida! E isso vai muito além de protegê-la de abusos.

Então a partir dos primeiros sinais de autonomia, de consciência do próprio corpo, até pra dar banho nela eu peço licença, aviso porque vou tocar, conversamos sobre, pergunto se ela não quer tentar sozinha, se posso ajudar.

É claro que tem coisas que eu preciso fazer por ela ainda, ela é uma criança. Mas eu jamais forçaria a minha filha a me deixar tocar nela. Não serei sua primeira abusadora.

Quer um exemplo? Meninas têm muita assadura, certo? E passar pomada é muito invasivo! Assim, sempre que preciso tratar assaduras nela, eu a convido a ver, a se conhecer, a entender porque a mamãe vai passar pomada e pergunto se posso.

Obviamente no início ela não quer, então eu explico que precisa do remédio e pergunto se ela quer passar. 

Demora mais do que simplesmente abrir as pernas dela, cuidar e pronto? SIM!


Quanto tempo vale mostrar pros seus filhos que eles são donos dos próprios corpos, das próprias escolhas, que são livres e não podem ser subjugados nunca por ninguém? 


Vamos pensar sobre isso?

Existem muitas formas de se conectar com a sua criança. Com presença e muito respeito, é só tentar que o diálogo se estabelece.




Agora vem a parte boa: Hoje eu vejo como esse esforço faz diferença em tudo na vida dela. A autonomia que ela tem hoje é enorme! Observo outras crianças e vejo que ela tem uma segurança em avançar, em tentar tomar banho sozinha, lavar o próprio cabelo, arrumar a mochila da escola, etc, que a maioria não tem. 



Sabe aquela sensação de que as crianças de hoje não sabem se virar como nós sabíamos? Então, o problema não é delas, é nosso!

Cabe aos pais respeitar e perceber a capacidade das suas crianças e isso tem TUDO a ver com empoderamento, com respeito e confiança. 


Deixo então aqui um convite: Pensem a respeito, observem suas ações, das menores às maiores. O que você está ensinando às suas crianças? E o que você pode fazer pra melhorar e mudar a realidade delas e de todas as outras?

Nossa responsabilidade vai muito além dos umbiguinhos que cuidamos diariamente. Cada ação dentro de casa se reflete fora e cria a sociedade em que vivemos. Vamos pensar além, #SejamosTribo!